A distinção entre escola regular e especial não existe para Teresa Mantoan. Professora há mais de seis décadas, ela trabalha para sensibilizar a sociedade sobre a importância da construção de uma escola que inclua todos os alunos, com deficiências ou não. Em entrevista exclusiva à Agência Brasil, para marcar o Dia Internacional da Mulher, comemorado nessa quarta-feira (8), a docente mostra como é possível pensar a educação inclusiva no país.
“Sou professora desde 1961 e ocorre que o meu jeito de ensinar é muito próprio, não me alinho a nenhum método educacional, nenhuma didática específica. Eu acredito que as pessoas tendem para o conhecimento porque todos nós precisamos resolver problemas desde pequenos. O conhecimento é uma forma de a gente poder se ver cada vez melhor e criar situações que levem avanços ao conhecimento de todos”, afirmou a professora.
Criança nota zero
Segundo Mantoan, sua própria história de vida como uma aluna desinteressada na infância a motivou a buscar caminhos diferentes da metodologia de ensino convencional.
“Eu sempre tive essa ideia porque desde criança fui aluna nota zero. Eu nunca consegui, na escola, ter um bom aproveitamento, como eles diziam, porque não via utilidade naquilo que era ensinado. Quando eu perguntava [sobre] alguma coisa em que tinha interesse, que dizia respeito às disciplinas, eu era podada. Em matemática, língua portuguesa, história, os professores diziam: ‘olha, você precisa saber isso agora’, e eu me sentia desprestigiada e sem vontade de continuar estudando uma coisa que já sabia. Como professora, fui a mesma coisa”, contou.
Para Teresa Mantoan, a distância entre os conteúdos e o cotidiano dos alunos torna mais difícil o aprendizado das crianças. Segundo a professora, o sistema atual é baseado na simples reprodução de um modelo e impede a capacidade reflexiva do estudante.
“Quando me formei como normalista, em 1960, fui, no ano seguinte, trabalhar em uma escola seriada, e as crianças já precisavam ter habilidades e competências para cursar determinado ano ou disciplina. Mas isso não vale. O que vale é aquilo que as crianças já viveram de experiências, e elas querem saber mais do que está previsto nas atividades curriculares. Todos somos curiosos, mas deixamos de ser porque a escola nos impinge conhecimento que – a meu ver – destrói a capacidade de conhecer, de recriar o conhecimento”, acrescentou.
Inclusão
Por lei, pelo Plano Nacional de Educação (PNE), o Brasil deve incluir todos os estudantes de 4 a 17 anos na escola. Os estudantes com necessidades especiais devem ser matriculados preferencialmente em classes comuns. Para isso, o Brasil deve garantir todo o sistema educacional inclusivo, salas de recursos multifuncionais, classes, escolas ou serviços especializados, públicos ou conveniados.
“O Brasil, pela Constituição Federal e pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), é um país genuinamente inclusivo e, no entanto, a educação inclusiva não considerava tudo isso e mantinha certos alunos em escolas especiais e instituições especiais”, criticou.
“Estar com”
No início de janeiro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva revogou decreto do ex-presidente Jair Bolsonaro que incentivou, em 2020, a criação de classes especializadas em escolas regulares e escolas próprias para pessoas com deficiência. Na prática, o dispositivo abria caminho para a criação de escolas especiais para alunos com deficiência e aulas separadas, sem convivência com as outras crianças. A medida já havia sido suspensa pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no mesmo ano, após questionamento da ação.
“Temos uma clareza muito grande do que é inclusão. Inclusão é ‘estar com’, não é estar junto. Junto a gente pode estar em toda parte, mas ‘estar com’ significa compartilhar, colaborar, cooperar, principalmente conviver. A inclusão não é estar do lado, à frente do outro. É estar com o outro e isso é muito difícil nas escolas do jeito como o governo tem agido, a partir de toda essa discussão feita de 2010 até 2022. Os professores e as redes de ensino faziam interpretações, e ainda fazem, muito diferentes do texto da política”, disse.
Na avaliação da professora, ainda há um entendimento distorcido sobre o que é inclusão dentro da própria escola.
“A inclusão implica mudança do modo como conceber, realizar e avaliar o ensino. Na concepção atual, a inclusão dos alunos da educação especial é muito complicada porque eles fogem do modelo [padrão]. Por outro lado, os pais das pessoas com deficiência se veem numa situação muito difícil, de fazer com que os professores tenham uma visão do filho deles como pessoas que não se encaixam em um modelo”, observou. “Os pais querem que seus filhos sejam vistos como pessoas e não [apenas] como ‘pessoas com deficiência’”.
Formação deficiente
Atualmente, Teresa Mantoan lidera o Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diferença (Leped) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), criado em 1996 para ampliar as pesquisas na área de educação inclusiva. Para a professora, a formação atual ainda não capacita adequadamente docentes para uma educação de fato inclusiva.
“A própria formação das universidades deixa muito a desejar, o pedagogo é malformado. Ao pedagogo se ensina a didática da matemática, da língua portuguesa, e isso não existe. Estamos em uma educação pós-moderna, o mundo é outro”, disse. “Ensinar não é simplesmente transmitir conteúdos, conhecimentos que não tenham gancho anterior na experiência da criança, que não tenham sentido para ela. Os conteúdos não funcionam como fim da aprendizagem. O conteúdo tem que ser um meio para que o aluno possa entender melhor o que o conteúdo quer dizer”, completou.
Autora do livro A escola que queremos para todos, a professora defende que a educação não seja apenas reprodução de conteúdos programáticos, dividindo alunos por conhecimentos decorados.
“[A escola que defendo] é aquela em que alunos e professores vão experimentar o mundo a partir de conteúdos dos currículos, mas sem uma preocupação de que todos aprendam e tenham as mesmas capacidades de respostas e interesses. A escola difícil é essa [atual] que dribla para o que ela mesma quer, não o que é de interesse do aluno. Na prática, é fazer com que os professores e, principalmente, quem coordena as políticas educacionais entendam que estudar não é decorar conteúdo, muito menos ter as mesmas capacidades, pois elas variam entre as pessoas”, argumentou.
Fonte: Agência Brasil