Agricultoras de comunidades tradicionais se unem em defesa do Cerrado

“O capim dourado mudou as nossas vidas. É o capim dourado que coloca pão na mesa, que gera renda para comprar comida, roupa, calçado. Ainda hoje é a principal fonte de renda da comunidade e muda a vida das artesãs dando qualidade de vida melhor”, conta Railane de Brito da Silva, 27 anos, presidente da Associação da Comunidade Quilombola Mumbuca, na região de Mateiros, no Jalapão (região leste do estado do Tocantins).

O capim-dourado (Syngonanthus nitens) na verdade não é um capim, já que não pertence à família das gramíneas. Trata-se da haste de uma pequena flor branca da família das sempre-vivas (família Eriocaulaceae). O capim dourado é matéria-prima para a confecção de bolsas, bijuterias e objetos de decoração que geram renda para centenas de artesãos.

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Railane Ribeiro exibe uma mandala feita com capim-dourado – Divulgação

“Ele nasceu aqui na comunidade de Mumbuca. Há 180 anos dona Laurinda, mais conhecida como dona Miúda, descobriu o capim-dourado. Ela foi a percussora do capim-dourado no mundo”, conta orgulhosa Railane, que segue à frente da associação, vencendo desafios diários para que as artesãs da região tenham visibilidade. “Tenho orgulho do meu trabalho, que não é fácil, mas tenho força porque já nasci empoderada.”

Na associação, ela faz de tudo: está envolvida nas atividades sociais, financeiras, vendas e projetos que ajudam a divulgar ao artesanato local, além de dar aulas em uma escola estadual, inclusive de cultura quilombola.

“A associação é o coração da comunidade Mumbuca”, conta orgulhosa Railane. “Na associação é desenvolvido artesanato de capim dourado. Temos a loja de Capim Dourado, onde tem 200 artesãs e associados que costuram todo dia e vendem lá. A loja organiza a venda das peças e 90% vai para o artesão, 5% fica com o vendedor e 5% vai para o caixa da associação”.

“Na comunidade Mumbuca, tudo gira em torno da associação, é como se fosse a prefeitura da comunidade. Ainda temos o escritório, a Casa da Cultura, o Barracão de Eventos. A associação é um trabalho social, porque tudo que vem de cesta básica e de doação passa pela associação que distribui para comunidade”.

Filha de pais agricultores, Railane tem muito orgulho de suas origens. “Nós quilombolas somos as comunidades que guardam mais do que tudo. Então, desde o passado a gente sabe conservar a natureza da forma que era. A nossa comunidade é bem preservada. A gente ensina a não jogar lixo nos córregos e na beira dos rios, porque além do capim-dourado, aqui tem muitos atrativos, tem córrego, cachoeira, rios, praias, então é muito interessante”.

Ela conta como a comunidade preserva a biodiversidade do cerrado.

“A nossa forma de conservar o cerrado é deixar a cabeça do capim dourado lá [no campo], para nascer novos capins, além de usar o Cerrado com qualidade – que é colocar o fogo na época certa, não desmatar, não assorear e desmatar ao redor dos rios. O Cerrado nos oferece o melhor quando trabalhamos nesta terra com respeito”.

Bioma

O Cerrado é um dos cinco grandes biomas do Brasil e ocupa cerca de 25% do território nacional, com área aproximada de 1,9 milhão de quilômetros quadrados (km²). Trata-se do segundo maior bioma nacional, atrás apenas da Amazônia. Segundo o Ministério do Meio Ambiente, é uma das regiões com maior biodiversidade do mundo. Estima-se que tenha mais de 6 mil espécies de árvores e 800 espécies de aves.

Apesar da importância, dados mostram que o Cerrado vem sendo devastado. Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), no acumulado de janeiro a abril de 2023, o desmatamento aumentou no Cerrado e caiu na Amazônia Legal, na comparação com o mesmo período do ano passado.

Os dados são do coletados a partir do Sistema de Detecção do Desmatamento em Tempo Real (Deter), disponível na plataforma TerraBrasilis.

Agricultura familiar

Sāo Paulo (SP) - Maria de Lurdes de Souza Nascimento.
Mulheres do Cerrado, agricultoras de comunidades tradicionais se unem em defesa do bioma
Foto: Lillian Bento/Divulgação

Além da agricultura familiar, Maria de Lurdes coordena a Rede Cerrado – Lillian Bento/Divulgação

Às 5h da manhã, Maria de Lourdes de Souza Nascimento, 59 anos, já está de pé cuidando da plantação e da pequena criação de galinhas, porcos e gado. Os afazeres diários, no entanto, não se resumem ao trabalho com a terra e os animais. Ela também é coordenadora da Rede Cerrado e, atualmente, está na Secretaria de Agricultura e Cooperativismo do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Porteirinha, em Minas Gerais.

Na secretaria do sindicato, Maria ajuda a coordenar ações em mais de 30 municípios. Entre as atividades estão: formação, geração de renda e organização das marchas para denunciar e reivindicar condições melhores para a comunidade.

“O trabalho que fazemos na Rede Cerrado visa a proteção dos biomas, fauna e flora e dos povos e populações tradicionais”, conta Maria de Lourdes. “Nosso trabalho é focado na agroecologia, garantindo o bem estar das mulheres e homens do campo”.

Mesmo com foco na agricultura sustentável, ela aproveita todas as oportunidades para conscientizar as mulheres da comunidade no sentido de não aceitarem qualquer tipo de violência. “Os desafios são enormes, mas não podemos esmorecer. A mulherada precisa se amar mais e fugir dos ambientes violentos. E parar de morrer em nome do amor”.

Ela conta que no seu trabalho, enfrenta o machismo patriarcal. “Não me deixo abater. Defendo as mulheres, a agricultura familiar e o meio ambiente. Não tenho dúvidas de que sem esses três elementos não existiria vida no planeta”, completa.

Por isso, ela entende que ajudar a conservar o Cerrado é tão importante. “O Cerrado é nossa caixa d’água e não é à toa que é tão cobiçado pelas mineradoras. Mas as catástrofes do planeta nos mostram que estamos no rumo certo, que é preservar para continuar vivendo”.

Para Maria de Lourdes, as ações vêm para mudar as adversidades ambientais. “Somos poucos e poucas nessa luta, mas estamos fazendo a diferença no planeta, nas mudanças climáticas. Somos como o beija-flor do incêndio: estamos fazendo nossa parte!”, disse referindo-se à fábula do beija-flor que, diante de um grande incêndio na floresta, colabora levando gotas de água em seu pequeno bico na tentativa de combater as chamas.

Cerrado Resiliente

Estes exemplos são apenas dois de diversos movimentos que envolvem centenas de mulheres no resgate de suas tradições e de seus ancestrais e fazem o trabalho de conservar a biodiversidade, em iniciativas promovidas pelo Projeto Ceres – Cerrado Resiliente.

“O projeto Ceres começou em julho de 2020, para promover a sustentabilidade de paisagens resilientes no Cerrado, visando a inclusão socioeconômica, a proteção da sociobiodiversidade e a mitigação e adaptação das mudanças climáticas”, explica Isabel Figueiredo, coordenadora do Programa Cerrado e Caatinga do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), uma das organizações que faz parte do Projeto Ceres.

Segundo ela, um dos componentes do Ceres é o apoio a projetos socioambientais por meio do programa Paisagens Produtivas Ecossociais (PPP-ECOS).

“Nesse contexto lançamos dois editais e apoiamos 31 projetos de organizações de base comunitária espalhadas por todo Cerrado que contribuem com o alcance dos objetivos do Projeto Ceres”, completa Isabel.

Os projetos são focados em gestão territorial, em conservação e produção de produtos da sociobiodiversidade, produção sustentável de agricultores familiares.

O Ceres é realizado pelo WWF-Brasil, WWF-Paraguai e ISPN, com coordenação do WWF-Holanda e apoio financeiro da União Europeia. O projeto tem duração de quatro anos.

Fonte: Agência Brasil

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